Parada em Ventania - contos
Parada em Ventania lembra os livros de ficção
fantástica latino-americana com seus personagens tão sofridos que parecem viver
em uma outra realidade.
É o menino aleijado das pernas que conhece o mundo
só por ouvir a irmã contar e pela passagem irregular do trem. É o menino que
vai embora da roça, despedindo-se do seu bezerro no pasto, durante a noite. É o
menino assistindo ao pai tirar os espinhos do ouriço do cachorro. São as
crianças órfãs que assistem ao pai armando a Árvore de Natal, sofrendo com a
saudade da mãe.
É o marido que encontra a mulher na cama com outro,
que persegue, mata e depois foge, mas encontra na estação ferroviária a vendeta
da mãe desesperada. É a mulher que enlouquece de desejo e solidão, dividida
entre o amor de dois irmãos. São os irmãos que se amam e são castigados pelos
pais que pensam que somente um sofrimento como o de Cristo poderia purgar tal
pecado. É o menino que mata o pai com um martelo para proteger a mãe com quem
dorme e satisfaz seus precoces e primitivos desejos sexuais.
É a mulher que acorda na solidão em que vive
procurando sinal de vida e, como não encontra, julga estar morta. É a cidade
inteira tomada pela lepra, num tempo recordado incrivelmente com dor e saudade.
É o jovem assistindo à primeira morte de sua vida, com sua estranheza como toda
morte, talvez maior do que qualquer morte. É o homem que se suicida pensando
que matara o amigo numa bebedeira, amigo que aparece na igreja durante a missa,
com uma enxó na cabeça, mas muito vivo. É o casal cuidando da prostituta
linchada pelas mulheres da pequena cidade, em sua cruel vingança. É a praga dos
urubus que cobrem o céu da cidadezinha. É a peste que dizima todos os bichos do
lugar e o cachorro do andarilho louco também atacado pela peste.
É a mocinha e seu canarinho encantado como se
vivesse num mundo mágico. São os irmãozinhos que brigam por causa de uma
abelha. É um cavalo encantado nas colinas da lua e o pai do menino que se
encanta também quando busca o cavalo. É o menino que evita que os urubus roubem
a carne-seca com pedradas certeiras de estilingue. É o amor por uma pombinha
aleijada. É o menininho que contempla extasiado um velhinho e um pato nadando
no lago.
É o matador fazendo a sua tocaia e a sua vítima que
luta pela vida. É um cavalo ruim como o diabo e seu dono também ruim. É o homem
que lembra uma vingança cruel de marido traído que assistiu quando criança É o
amor de uma cadelinha feia e uma menininha feia também, e o padre que persegue
a cadelinha, que é mais rápida no gatilho. É uma cena amorosa sobre um túmulo.
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