terça-feira, 28 de julho de 2009

Desaforismos de Gregório Vaz

1. Sua vaca! Você ficaria brava, magoada com seu amado por ser chamada de vaca? Não deveria. Vinicius de Moraes fez um soneto lindo, chamando a amada de vaca com ele na cama. Drummond, num de seus melhores poemas, fala de um cavalo solto pela cama sobre o peito de quem ama, pensando certamente, com carinho, em Dolores, aliás, em Lígia, como uma vaca na cama. E Mário Quintana, tão suave, delicado, não diz num poema: “Maria, por que não és uma vaca? A vida seria muito mais simples”? Ah, não falem mal das vacas.
2. Minha querida! Minha amada! A sua cara azeda ilumina a sala, a casa, a minha vida inteira.
3. Uma vez eu vi um homem na calçada com os miolos de fora. Inacreditável que possa ser inteligente um ser com uma bolha de pus nojenta como essa na cabeça.
4. Eu amo a violência, o sangue derramado, quente, borbulhante. Eu sou um homem.
5 . Enquanto latem os cães, discutem os filósofos, os cientistas e todos os que arrotam sabedoria, a vida passa.
6. O homem pode estourar de riso como o idiota que é, mas não morrerá mais feliz por isso.
7. Você não sente nojo de si mesmo quando vê um mendigo cheio de chagas na rua e percebe que você não é aquele mendigo?
8. A maior moralista que eu conheci era dona de um bordel.
9. Defendo com unhas e dentes as minhas neuroses: somente elas me mantêm de pé.
10. Somos sonhadores melancólicos contemplando o nosso próprio crepúsculo
11. Toda obra deveria ser destinada ao fracasso, porque tem por sujeito e objeto o homem, que é a encarnação do fracasso.
12. Conquistamos o espaço, queremos conquistar o universo, enquanto apenas navegamos na caverna onde mal perdemos o rabo.
13. Nada mais fácil para desmoralizar um homem do que acariciar o seu ego.

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Gregório Vaz é autor de uns 400 e tantos aforismos (ou desforismos, termo cunhado por meu conterrâneo Mário da Silva Brito - sim, ele por acaso nasceu em Dois Córregos, SP, onde eu nasci acompanhando fundas raízes familiares). Acha que poucos valham a pena: não vamos contradizê-lo.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Em busca do corpo impossível



Performance que integra a série EM BUSCA DO CORPO IMPOSSÍVEL, com apresentação do alterego e do DIAS com os poemas da CIDADE PODRE e CANÇÃO DO EXILADO, em homenagem ao poeta bauruense josé carlos mendes BRANDÃO e gregório VAZ. Realização da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP de Marília.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Sublimação







 


Um piolho
mil piolhos me roem
o cérebro. Em frangalhos
serei eu mesmo, o que escrevo
ou o que vive o estupor?
A carne é fraca, mas espúrio
é o espírito. Alcatra, coxão-
mole, a costela
do homem, a coxa
da mulher. Filho
dessa coxa, onde a mágica
ainda vive, e senhor, senhor
embora o decreto
da morte dos mitos
– ou por isso mesmo
a cinza
de todos os ritos
do sagrado
a podridão, podridão
sem mais nada. Nada. A chuva
derretendo-se
sobre a cidade, a cidade
derretendo-se em lodo, e bocas-
de-lobo engolem o nojo, o feto
burguês, o consumo
o que me consome. Sublimação!
Sublime a beleza, rosa
ou cegueira: crio
vivo o grito da criação.
Todo discurso é falido mas eu amaria
meus piolhos, meus queridos
piolhos fedorentos, meu cérebro
fedorento, a borra
fedorenta e gloriosa borra, meu resíduo
mais íntimo
livre, gloriosamente
para o que der e vier, livre.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

O poeta e seu tempo



Morro ontem, renasço amanhã
e a todo vapor
uma flor na boca
uma lagartixa nos cabelos
irracional e belo como a primeira manhã
a primeira mulher, o primeiro poema.
Renasço com asco e faço
de um estopim na perna de um pato
de uma pomba
a beleza do amor que morre
e ressurge das cinzas.
Morro triunfalmente
e volto, corro pelas ruelas de Paris
Estocolmo e Lisboa gris.
O poeta mexe com seu pauzinho torto
a sopa de palavras e o poema
é a única realidade provável.
Morro e renasço
estúpido, estupendo, fenomenal.
Vou e fico
com cupido, mil estampidos
e as cáries dos dentes da Mona Lisa.
As rugas, perucas, sanguessugas
babando a loucura
lógica e pura.
Viva a poesia! Morram
os urbanos comedores de olhos!
Abaixo tudo que está acima
da sensibilidade e seus guizos
de festa ingênua, bucólica
e fora com todas as cólicas!
Civilizações! Saiu tudo pelo avesso
o defunto nem está fresco nem seco
mas é defunto, enorme e imundo presunto
mundo mundo sem rima nem cão.
Viva o sonho
o gato, a lebre, a presunção.

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in Exílio, 1983.

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