sábado, 21 de novembro de 2009

Poética do podre




1

A cidade se enrosca
na garganta
dos homens, sangra
abóbora podre
sem nome, angústia
convulsa. Ladra
cadela no cio.
Galope
de vômitos frios
oh micróbios
cospe
engole
dá na mesma
é sempre a mesma
mole massa sebosa
escarro na tumba
tombo no ultraje
traje de quimera
e gosma, gosma
que corta, estraçalha
o ser. A linguagem
que o ser, ce cangalhas
procura.


2

Quero o podre
ao sol. Saudável

luz rebenta, como o trigo
com o olhar. Quero o podre

exposto, doendo, remoendo
os ventres, a fome. Quero a fome

a luz nos ventres, o parto
da dor. O olhar rebenta

o podre, vau, vulgo, vulva
brotos brotam, não? Por isso

por aquilo, de vão a vão
bojo, cós, fole e podre a podre

a esperança caminha.

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(cont.)

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Soneto à margem do tédio




Eu sou o que morreu assassinado
numa noite de orgia, sobre um túmulo,
entre uma deusa fria e um triste súcubo,
por sete negras lanças transpassado.

O desejo de amar foi meu pecado:
eu amei com o sangue erguendo o músculo
sem detença, sem sombra de crepúsculo.
Por acerto, morri crucificado.

Não foi o ledo engano camoniado,
mas o cruel festim dos assassinos
numa história que nada tem de humano.

Os juízes com caras de suínos,
cantaram o Te Deum a todo pano,
pois se consomem nossos desatinos.

Sete sonetos em estado de graça, in Exílo, 1983.

domingo, 15 de novembro de 2009

Soneto do amoroso desiludido



Procurei de prostíbulo em prostíbulo
o teu amor, que a terra há de comer,
e o sexo, mas com muito mais prazer.
O que encontrei? O meu próprio patíbulo.

Visitei as alcovas mais sagradas,
em algumas gozei já no vestíbulo.
Visitei o mais imundo cubículo
e todas as mulheres depravadas.

A vida pode ser procura inócua,
o que se encontra é sempre a mesma nódoa.
A glória às lendas do sublime amor!

Que eu sempre encontro, sem tirar nem pôr,
na encruzilhada do desígnio porco,
o teu pasmado olhar de peixe morto.

Sete sonetos em estado de graça, in Exílio, 1983.

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