sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Gregório Vaz & Machado de Assis




A lâmina nos olhos

O universo sobre a minha cabeça
como um chapéu ou a coroa do velho
Rubião. A incógnita da servidão.
Humana é a dor. Arco, estrelas, flor? Estou só

e sei o tamanho do meu ânus. Uso palavras
poucas: o prisma, os sete sentidos. No mais
digo o que digo, o coração na mão.
Não sei meu destino. A morte é dos puros

das namoradinhas de antigamente. Meus são
os pesadelos, a febre e seus minotauros
seus monstros de mil faces e uma só: as jaulas
assépticas da cidade podre, o lodo por baixo.

Óleo, excremento, pus: máquinas lubrificadas.
O poeta é um animal cansado: rumina o mito
espumas na boca. Chega a hora do silêncio.
Esquartejemos o poema! Seu fel, sua negra beleza.

Chega a hora das alucinações desenfreadas.
Pulmão noturno, o belo pulsa.
O crime, a lepra, a espera de dias melhores
que virão, virão, um cadáver está dizendo.

A cidade dorme, a cidade é uma asquerosa
megera dorminhoca. É a hora, é a hora.
As luzes se apagaram, tudo é miragem.
Escarrem com raiva, inventem a raiva.

Quem tem medo, afogue-se no rio do trânsito.
Tudo é passagem. Não me peçam sensatez.
Quem não mata o que ama, não viveu.
A verdade está acima de todas as convenções

quando o espelho, a lâmina nos olhos.
Viva a náusea. Estamos vivos.
Alucinações! Relógio da solidão. Vamos
dançar uma valsa sobre nossos túmulos futuros.

Viva a alegria! Tiro o chapéu. Vai, universo
vai passear por aí. Hoje viveremos.

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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Carlos Drummond de Andrade e Gregório Vaz




O POETA FEDERAL

O poeta federal tira ouro do nariz.
Foi apenas blague, Drummond
ou sabença de mais valia
de vida e poesia

sem alheamentos
e porosidades vãs?
O poeta colhe, do nariz
o ouro. De onde

o colheria? De que palpite
infeliz? De que feliz
alvenaria? A poesia
fede e cheira. É vida

completa: pérolas
e dejetos. O poeta
tira ouro do nariz
tira o ouro onde estiver.

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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Mallarmé revisitado 2




Brisa Urbana

Todos os livros são tristes, e a carne.
Há pássaros loucos no céu da cidade
babando a espuma do ódio
que move o sol e as outras estrelas.

Nos lagos do olhar afoga-se
uma cobra, nas dobras da memória.
Uma lâmpada fosca pende na rua
na noite nua e úmida como um túmulo.

A folha cinza brinca, múmia, à espreita
do poema tímido, sonâmbulo esqueleto
sem leito, âncora, num tédio imenso.

Danço a negra dança do destino,
canto os verdes hinos do desatino.
Sou um poeta pobre e sem brilho

oh minha alma sem martelo e sem bigorna.
Os mastros estão de rastros e não há mar

onde caiba o meu desgosto, a carne
um engodo e todos os livros, tristes.

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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Mallarmé revisitado




UM COPO DE DADOS

Um copo de dados não abolirá
o azar. Casa-se ocaso e acaso?
Uma lança fura as nádegas
de lado a lado, Joaquim.

Estou triste e quem não estiver
que se dane, não é, Manuel?
Somos todos bons burgueses!
Mas a nossa pança de bosta, eia!

vale mais que o pé sem meia?
Não quero saber da poesia
parida no buraco do rato.

Quero a poesia como uma faca
na barriga. Que o sangue jorra.
Pus. Onde pus a esperança

é logro, o lúcido, o podre.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Poética do podre




5

Clamam gnomos de óculos
em bosques de plástico
as árvores túmulos
as máscaras cólicas
minha imagem trágica
essa dor aguda
na cara nas nádegas.

O poema podre
a rima e seu logro
nada vezes nada
o poeta urbano
torto feio e sujo
com tais predicados
encolhe a palavra.


6

A rua estava triste, como sempre.
Anjos tocavam banjos? Bolas.
Flores de cera, murchas nádegas
chacoalhavam-se, vacas melancólicas.

E tu querias duas melancias, menina?
Enfia a cara onde quiseres, minha velha.
Estou bêbado de desejo! A quimera
do primeiro beijo, do último arquejo?

Quero uma gueixa que me console
me coce os pés e o sovaco, mais nada.
Por que as estrelas de outrora soluçam

atrás da porta que não há? Bolas.
Não há palavras que sufoquem
o sufoco em que vivo, ficha num arquivo.

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