Finados
Hoje é dia de finados
Você passeia pelo cemitério procurando meu túmulo
Choveu faz sol o dia está agradável
Você sente o perfume da morte
São as flores são as velas é um indefectível
Cheiro de carne que já não é
A carne dos mortos engorda a terra
E a terra é sempre magra
Fende-se parte-se em mil ranhuras
Já não se sabe o que é terra o que são ossos
A terra protesta os túmulos protestam
Muita festa e muita tristeza se fundem
Somente você não está triste
Você sabe que eu não estou em nenhum desses túmulos
Você procura o meu túmulo por procurar
Por uma diversão perversa
Eu deveria estar aí
Eu deveria estar embaixo da terra
Eu deveria ser um punhado de ossos
A minha alma mortal
A lembrança da minha presença
Fogo-fátuo espiralando-se no ar
A minha presença gorda no mundo
Dilui-se nas ruas do cemitério
Onde não estou
Você está sorrindo para o meu túmulo etéreo
A minha ausência estúpida
Ainda não é a hora do olvido
As águas passam debaixo das pontes
O vento assobia em algum sótão impalpável
Estou no sótão estou entre os afogados
Sou um homem entre os homens
Uma bunda ainda me excita
A língua o beiço vermelho
A mulher me justifica
Me derruba me anula
Você é sábia
O olhar conhece
As unhas as garras o bico adunco
A mulher domina
O mundo inútil
O corpo inútil do homem
Já não conheço as trevas
Já apaguei as luzes todas e vejo
O que existe para ser visto
Pairo
Não tenho carência de prêmios
Meu pai apontava os mortos
Carregava os mortos no bolso da camisa
Do lado do coração
Meu pai me ensinava lições de morte
Com orgulho
Estes sãos os meus mortos como que dizia
E acarinhava cabelos e ombros íntimos
Os mortos não carecem de prêmios
O maior prêmio da vida é a morte
Eu tenho orgulho da minha morte
Galardão
Mel na sombra sorvo tanto sol
Anoiteço na teia de aranha
A invenção do dia
No corpo da mulher
Eu me entrego à abelha-rainha
A mulher me consome no jardim
No mar sem fantasmas
No meio da rua
Um escorpião me assassina
O corpo vibra
O corpo explode com o veneno
Amor é grande
Você passeia pelo cemitério
Para me lembrar
Meu corpo lhe pertence
A alma a vontade fraca
As suas palavras cantam
“Você morreu, cara”
“Cara” – Nunca ninguém assim
Declarou o seu amor
Nem era preciso
Ter voltado.
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Um poema extemporâneo.
Mas fazer o quê! Eu, Gregório Vaz, sou extemporâneo.
Como não estamos em Finados
leia como um poema de amor.
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meu querido Poeta
ResponderExcluirEstive ausente, estou a pôr as visitas em dia, deixo o meu carinho e um beijinho.
Sonhadora
Talvez a relação amor/morte não seja nunca extemporânea. E um poema como esse está além do calendário.
ResponderExcluirGrande abraço.
Fantástico, José Carlos!
ResponderExcluirSó mesmo você, poeta e talvez São Francisco de Assis, que convivem amigavelmente com a "amiga" morte! A única certeza que temos desde que nascemos.
Li como um poema de amor, porque é.
Parabéns, cara!
Beijos
Mirze
Esse assunto é dificil para mim. Não lido bem com a dona M.
ResponderExcluirMas com poesia sim!!!!!!
E a sua poesia é sempre alento vivo para a alma!