quinta-feira, 31 de março de 2011

COMO UM POEMA


A minha dor é do tamanho duma porta.
Não me peçam paciência.
A minha dor é do tamanho dum bonde.
A porta está fechada como a de Kafka. Se era
para ele que se abriria, é para mim que nunca se abrirá.
Até prefiro dizer, com Fernando Pessoa, que vivo
ao pé de uma parede sem porta.

O bonde veio e me atropelou, não sobrou nenhum
caco inútil do que eu fui.Desespero é o nome
da minha pátria, da minha língua, da minha mudez.
Para que me serve o amor? O ouro? A rosa?
Eu quero o mar, a areia das praias sem nome,
as árvores, os pássaros, as frutas maduras.
Eu quero tudo que é meu porque eu perdi.

Eu me reservo a noite e o seu rude silêncio.
Eu me reservo a pérola negra e a sua concha,
as cavernas submarinas de algas e de âmbar.
Eu me reservo o silêncio de uma pedra dura
conquanto perfeita, absoluta e muda, como um poema.


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