quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

História




Eu já fui uma criança feliz
sem ideais
nem palavras
ou outros acessórios

As árvores me bastavam
os galhos e os troncos carregados
de pássaros e de jabuticabas

O jardim em frente de casa
tinha todas as flores
minhocas lagartos e lagartixas

Eu tinha um cavalo alazão
tinha até um unicónio
rodeado de mil borboletas

De repente fiquei sábio como o orvalho
sobre o estrume no pasto das vacas
como se eu conhecesse o mistério
de Deus e do universo agrário

Tudo era agrário naquele tempo
tudo deveria ser ágrafo naquele tempo
quando nem o tempo existia

Meu pai fazia vassouras na cozinha
contando histórias do novelo da memória
com a sabedoria dos velhos patriarcas

Minha mãe tinha uma arca de costura
costurava os caminhos da vida
com a diligência de uma profetiza

Um dia acordei fora de casa
fora de qualquer espelho
ainda inundado de luz

mas cego
um cego guiado por um cachorro cego

Gregório Vaz


2 comentários:

  1. li mais de uma vez este poema - ele me toca, me deixa com certas 'fervências' na cabeça

    falar mais, para quê?

    beijo, El

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  2. Muito Lindo, José Carlos!

    A visão de Gregório é fascinante. Não sei como consegue.

    Aplausos!

    Beijos

    Mirze

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